Rumo ao Itamaraty

Rumo ao Itamaraty

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

As Eras

Hoje vamos discutir um pouco a respeito do autor da saga das Eras, A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos, e da primeira delas. Antes de iniciarmos A Era das Revoluções, é importante sabermos um pouco a respeito de quem os escreveu, a fim de entendermos seus objetivos com esse livro. Let’s discover who is (he is alive!) Eric Hobsbawm?


Eric Hobsbawm

Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria, no Egito, em 1917, quando essa região estava sob o domínio britânico [1]. Seu pai, inglês, conheceu sua mãe, austríacana terra das pirâmides: um museu a céu aberto e uma sociedade sofisticada frequentada pela classe média cosmopolita européia. O próprio Hobsbawm afirma que “é extremamente improvável que esse encontro tivesse acontecido num lugar assim, ou que tivesse levado ao casamento entre duas pessoas em qualquer outro período anterior”[2] ao final do século XIX. Essa passagem biográfica, retirada de um trecho autobiográfico na introdução d’A Era dos Impérios, mostra-nos um pouco do interesse de Hobsbawm pelo século XIX: ele próprio se vê como fruto desse tempo. Ainda nesse livro, o autor afirma que as personalidades que deram forma ao século XX (esse trabalho é de 1988) nasceram no período anterior a 1914, sendo essencial compreender esse tempo para entender o mundo ao qual somos contemporâneos.
Órfão de pai aos doze e de mãe aos catorze, Hobsbawm vai morar com um tio. Passou esse tempo de sua vida em Viena e Berlim, saindo de lá em 1933, fugindo dos nazistas (seus pais eram judeus e ele tinha simpatias comunistas) e por ter ganhado uma bolsa para estudar na Universidade de Cambridge. Iniciou suas leituras de Karl Marx nesse período, formou-se em História, passou a integrar o Partido Comunista Britânico que apoiava o regime stalinista. Participou da Segunda Guerra Mundial, atuando no serviço de inteligência do exército. Terminada a guerra, voltou a Cambridge, doutourou-se em História e iniciou, com outros historiadores, o grupo de História do Partido Comunista.
Também integrou o grupo dos historiadores britânicos marxistas, como Christopher Hill (que publicou vários trabalhos sobre a Revolução Inglesa e a vida social entre os séculos XVII e XVIII) e Edward Thompson (que estuda, sobretudo, a Revolução Industrial e o proletariado inglês, no século XVIII-XIX). Esse grupo, decepcionado com as atrocidades cometidas pelo regime stalinista, rompe com o sonho vermelho e opta por estudar as organizações populares através das lutas de classe, utilizando todo o material conceitual marxista. Nasce a História Social de orientação marxista.
O método utilizado por Hobsbawm para escrever a História parte da premissa de que a sociedade é movida pela luta de classes: há uma classe superiora que deseja manter-se no poder e, para tanto, utiliza-se de vários métodos coercitivos para manter a situação tal como está. Dentre suas ferramentas, está a ideologia: o autor entende que a ideologia é uma forma de dominação mental da sociedade. Ao se fazer as pessoas acreditarem em algo, elas mesmas se autopoliciarão para não fugir a esses valores. Hobsbawm acredita que o que chamamos de tradição é algo inventado por essas classes como estratégia para legitimar-se no poder. Algo do tipo: sempre foi assim, não tem como ser diferente.
Do outro lado, há a classe oprimida, muitas vezes sedenta para mudar sua posição subalterna. Esse conflito é o motor social, o que gera o movimento e, por sua vez, a História (de acordo com a concepção marxista).
Essa metodologia marxista de concepção histórica é a utilizada pelos historiadores decepcionados com o stalinismo e que, na década de 1960, fundaram a revista New Left Review. A new left opunha-se à old left, termo aplicado aos comunistas stalinistas, revisionistas e liberais, acusados pelos novos intelectuais de traírem os ideais de justiça e liberdade. Esse periódico propunha analisar a História a partir das lutas de classes considerando a estrutura social como predominante em relação à econômica e ao Estado (embora sempre andem atreladas). O marxismo, enquanto método para investigação nas ciências humanas e sociais, é tanto uma forma de fazer ciência quanto um projeto social: prevê como fim, ápice da civilização, a igualdade entre os homens, um estado (e não um Estado necessariamente) de justiça social.
Os marxistas ortodoxos pretendiam desenvolver a revolução social prevista por Marx e Engels a todo custo, não medindo esforços para aplicá-la e, dessa forma, construindo um verdadeiro estado de terror na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Por esses atentarem contra a liberdade e a justiça, os intelectuais da New Left Review propuseram outra forma de utilizar as ideias do velho Marx. Ainda pretendem mudar o mundo, não desconfiem disso, porém não mais pela força. O interesse que aplicam à dominação ideológica nas pesquisas históricas têm uma razão de ser: pretendem levar seus leitores a criticarem a situação na qual vivem, fazendo-os problematizar as limitações socio-culturais que, para esses autores, existem para manter as disparidades econômicas.
Os livros que utilizaremos a partir de agora, propostos pelo Guia de Estudos do IRBr foram escritos seguindo essa cartilha. Além desses, há outros títulos importantes do autor, como:

· Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo.
· Ecos da Marselhesa : dois séculos revêem a Revolução Francesa.
· Mundos do Trabalho: Novos Estudos Sobre a História Operária
· Nações e Nacionalismo desde 1780


Um período de Revoluções

A Era das Revoluções tem como recorte cronológico o período que vai desde 1789 a 1848. Esse simples recorte já nos diz muita coisa. Um recorte é a delimitação temporal da pesquisa. Ao pegar essas datas, fica claro que o autor trabalha a partir de uma perspectiva política: 1789 à Revolução Francesa; 1848 à Circulação do Manifesto Comunista; e econômica: 1789 à Primeiro sistema fabril inglês; 1848 à Primeira rede de ferrovias.
O autor inicia a discussão com mundo na década de 1780, quando a industrilização é, de certa forma, iniciada: um mundo maior e, ao mesmo tempo, menor. Menor:

· Em área conhecida, com boa parte da geografia física ainda por ser descoberta/explorada;
· Em população e povoamento, tendo algo próximo a 1/3 dos habitantes da década de 1970.
· Em estatura, com pessoas mais baixas e fisicamente menos desenvolvidas (o que foi começou a ser superado com os avanços da nutrição, no fim do século XIX.

Por outro lado, o mundo era enorme! Imaginem as dificuldades de comunicação: como fazer uma carta, saída de Londres, chegar a Nova Iorque e ser respondida? Levaria, no mínimo, em uns dois ou três meses... O autor afirma que houve avanços, estradas foram construídas (sobretudo aproximando as capitais), os transportes por vias fluviais ou marítimas eram mais ágeis, mas ainda insuficientes para, por exemplo, garantir aos nórdicos o consumo de frutas tropicais, que pereceriam antes de chegarem ao destino. Por essas questões e por falta de progresso técnico junto à agricultura, a alimentação europeia era essencialmente regionalista. Consumia-se o que era produzido na região: centeio, trigo, cevada, aveia, algums frutas e legumes, laticínios, aves, porcos, gado de corte e vinho, de modo geral.
A vida era eminentemente rural, com as poucas cidades sendo diretamente dependentes do campo. Se os iluministas do dezoito se gabavam de entregar-se às letras e luzes nas cidades, não o podiam fazer em mais de 30 cidades com população igual ou superior a 100 mil habitantes. Sendo a terra o centro das riquezas, certo está que as relações de trabalho estavam definidas em função da propriedade agrária, assim como o status social de seus próprietários frente aos demais estratos sociais. Nas Américas, as relações de trabalho definiam-se, de forma geral (à exceção dos estados do norte dos EUA) como trabalho compulsório de nativos ou trabalho escravo negro. Havia trabalho livre, mas proporcionalmente muito inferior às variantes citadas. Ao leste da Europa, as relações assentavam-se ainda nos moldes feudais ou semifeudais, com a posse da terra pelos senhores e o trabalho sendo realizado por servos ou correspondentes a eles. No restante da Europa, Hobsbawm afima o status social estava intimamente ligado à posse de terras: nenhum gentleman o seria sem terras.
O avanço da agricultura para um sistema capitalista, segundo o autor, se deu em algumas regiões, como a Inglaterra, onde havia concentração de terras arrendadas, com campesinato contratado e alguma atividade comercial envolvida. Com a chegada do século XIX, essa estrutura mostrou-se uma agricultura capitalista, gerida pela classe empresarial dos fazendeiros e funcionando através dos braços de um extenso “proletariado rural” – palavras de Hobsbawm.
O século XIX europeu foi um tempo de progressos, com sua filosofia própria: o iluminismo. O progresso estava associado ao aumento da produtividade agrícola e manufatureira (e consequente aumento populacional), que tinha por base a racionalidade econômica e científica. Entretanto, no restante do mundo, as demais sociedades não haviam mudado muito (da perspectiva da Europa). Mas isso estava prestes a acontecer. Para suprir as necessidades crescentes do capitalismo europeu, mais escravos africanos faziam-se necessários para fazer funcionar as minas e lavouras do Novo Mundo e na extensão do Oceano Índico. Ao passo que se acentuavam as transações comerciais com o Oriente Próximo e Médio, o mesmo acontecia com os confrontos bélicos (e o mesmo se diz acerca dos impérios da Ásia, como o grande império chinês e o Império Mughal – Índia). Eram os primeiros resultados das revoluções econômica e política que se apresentavam, mudando a cara das sociedades.
Bom, pessoal, construído esse pano de fundo, semana que vem discutiremos a Revolução Industrial e a Francesa. Veremos o que acontece com o mundo, que vai ser tornando um barril prestes a explodir a qualquer momento! Qualquer dúvida, postem ai!
Abração, galera!

Thiago Mota.

[1] Uma correção do post anterior: Hobsbawm tem nacionalidade britânica.
[2] HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1917. Tradução de Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. São Paulo: Paz e Terra. 2009. p.15.

3 comentários:

  1. Olá pessoal, estou sentindo falta dos debates !!!

    ResponderExcluir
  2. Realmente Amanda, está faltando mais debates aqui no blog. Eu mesmo estou um pouco "off" por causa de assuntos profissionais e pessoais, mas estou voltando com força total essa semana. Em relação ao texto exposto, gostei muito. Bem elaborado e esquematizado. Vlw Tiago.

    ResponderExcluir