Rumo ao Itamaraty

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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A Revolução Industrial

Olá, pessoal!
No post anterior, construímos uma espécie de cenário acerca da Europa Setecentista, sobretudo nas décadas finais desse século. Hoje iremos à cena principal: as revoluções que foram processadas naquelas terras, Industrial e Francesa. Comecemos pela Inglaterra e a Revolução Industrial.
Eric Hobsbawm, em A Era das Revoluções, define a Revolução Industrial da seguinte forma: “[retirada d]os grilhões produtivos das sociedades humanas, que daí (1780) em diante em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços.” [1] Isso quer dizer que a Revolução Industrial mudou completamente a relação do homem com o espaço, com o tempo e com o próprio homem. O espaço propício ao desenvolvimento já não é aquele dos campos amarelos do sul da Europa com suas culturas cerealíferas ou o bucolismo retratado pela literatura árcade, como o mundo ideal de se viver. A paisagem espacial a se mostrar agora é outra: a fábrica se apresenta ao mundo, com sons e cores, emitindo fumaça, edificando enormes construções e transferindo o poder entre objetos: da cruz, no alto das igrejas, para o relógio, no alto das fábricas. O tempo agora é outro, é o do relógio, e não mais o da colheita. São horas, dias e semanas, e não apenas estações. O homem agora é a força que faz tudo isso funcionar e, para tanto, precisar crescer (pelo menos em número), para suprir a crescente demanda por trabalhadores e consumidores.
Essa mudança radical teve seu início na Inglaterra e, para entender um pouco melhor os motivos de esse país (um anacronismo por falta de termo melhor) tomar dianteira no processo, devemos lembrar um pouco dos resultados da Revolução Inglesa, do século XVII. A Revolução Inglesa (1640-1688), foi a primeira revolução burguesa da História (isso segundo os marxistas e, já que estamos trabalhando com Hobsbawm, é coerente tratar dessa forma) e pregou o ideal de liberdade e direito: todo homem tem direito à liberdade, igualdade e felicidade (leia-se propriedade). Pretendia instrumentalizar o Estado inglês para acompanhar os desenvolvimentos do mundo ao qual era contemporânea e isso significava reduzir os privilégios nobres, aumentar a participação política dos burgueses e garantir os lucros advindos da produção de lã. Esses eram os interesses da gentry.
Com a vitória do liberalismo político revolucionário e continuidade do desenvolvimento econômico atrelado às políticas dos cercamentos – que levava as ovelhas a devorarem homens, de acordo com Thomas Moore – a Inglaterra dos finais do XVIII apresentava as pré-condições essenciais ao desenvolvimento industrial:
· Arrendamento das terras, com o capital resultante geralmente aplicado em alguma atividade comercial;
· Agricultura dirigida para o mercado e controlada pelo arrendatário;
· Conhecimento das técnicas têxteis e
· Presença de um campesinato de certa forma proletário.
Essas pré-condições, somadas aos interesses do Estado pelo lucro, na expectativa de gerar excedentes a serem exportados, e a pouca necessidade de incrementos tecnológicos necessário ao processo fabril deram berço britânico à Revolução Industrial.
Um outro ponto interessante a se notar é a natureza primeira da revolução: produzir bens de consumo de massa, a saber, tecidos. O passo inicial da industrialização não foi dado no sentido de se criar demandas para seus produtos, e sim satisfazer a existente. Com a imensa demanda por tecidos, os empreendedores (outro anacronismo) do período podiam visualizar perfeitamente suas possibilidades de lucro. As técnicas utilizadas para o processamento industrial da lã e do algodão já eram conhecidas e, com os estímulos de um grande mercado consumidor associados aos interesses do Estado, claramente liberal, o lucro era certeiro!
Para incrementar a produção, era preciso o aumento da oferta da matéria-prima, o algodão. Para suprir essa demanda, entra em cena a América: os Estados Unidos, sobretudo as colônias do sul, e outros colônias ou ex-colônias na América produziam algodão no sistema de plantation, baseado na mão-de-obra escrava negra. Esse algodão era vendido aos ingleses, que processava, fabricava os tecidos, e os revendia aos americanos. (Americanos são aqueles nascidos na Amércia, assim como europeus são nascidos nas Europa. Acho ridículo explicar isso, mas há quem ache que americano é sinônimo de estadunidense.) Algodão, escravidão e industrialização andaram juntos por um bom tempo. Assim como o semicolonialismo. Boa parte da produção britânica era exportada e, embora a Europa representasse um filão, a venda para colônias ou ex-colônias européias rendia bons lucros. É interessante ressaltar que, durante o período napoleônico, quando houve o bloqueio continental aos produtos ingleses (e que até forçou a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, lembra?), a Inglaterra se manteve bem vendendo para o mundo subdesenvolvido. Nesse ponto, a América Latina foi o grande reduto econômico inglês.
Um parênteses: vocês estão notando que estou usando Inglaterra e Grã-Bretanha como sinônimos, certo? Então, muita gente faz isso, com frequência. E é um erro. EXPLICAR A DIFERENÇA ENTRE INGLATERRA E GRÃ-BRETANHA. Mas para o período histórico que estamos tratando, não era muito incomum referir-se à Inglaterra englobando Irlanda, Irlanda do Norte, Gales, Escócia... Havia um certo entrelaçamento dessas economias e políticas, sendo todos incluídos no reino da Grã-Bretanha. Por exemplo, muitos dos proletários nas fábricas inglesas eram de origem irlandesa.
Voltando à indústria, o carro forte que puxou a revolução na Inglaterra foram os tecidos (e não o ferro, como muito se diz por ai), por algumas questões:
· Nesse período, nenhuma indústria empregou tantas pessoas ou manteve tantas como dependentes (1,5 milhões em 1833) quanto a algodoeira;
· O advento do algodão gerou necessidades logísticas, construção de fábricas, desenvolvimento de novas máquinas, inovações tecnológicas de forma paulatina – e não o contrário.
· A expansão da indústria têxtil foi tão amplo e diversificado, que dominou os movimentos de toda a economia inglesa.
· O emprego em massa, a mudança radical na paisagem, o êxodo rural intensivo e a exploração do operariado foram decorrências diretas da revolução nos têxteis e os causadores dos graves conflitos socias, como os movimentos ludista (de quebradeira na maquinaria) e cartista (BUSCAR).
A partir das necessidades geradas pela indústria algodoeira, chegamos às grandes transformações dos tempos das locomotivas! A principal fonte de energia usada pelos britânicas, sobretudo nas cidades, era o carvão. Além do uso doméstico, esse mineral era o principal motor das nascentes indústrias. Como o crescimento e desenvolvimento dessas últimas, as cidades – reduto de sua mão-de-obra – cresceram, assim como a demanda por carvão. Com o grande excedente gerado pela produção e venda de tecidos (bens de consumo), foi possível fazer pesados investimentos em bens de capital, acentuadamente as railways – ferrovias – que serviam basicamente ao carvão: retirada das minas e, sobretudo, transporte até as regiões de embarque. Nesse momento nascem as faraônicas obras de nosso tempo: as ferrovias cortando mundos e fundos, exigindo pontes, viadutos estações ferroviárias... construindo um mundo completamente novo aos olhos de seus habitantes e se transformando no grande símbolo da industrialização.
Só que esse empreendimento não era o que se podia dizer de rentável. Hobsbawm afirma que “a rentabilidade média do capital aplicado nas ferrovias britânicas era de apenas 3,7%”
[2]. Era mais negócio para os financistas repletos de cash para investir fazer empréstimos, seja aos países europeus que se reconstruiam pós-Napoleão seja às recentes repúblicas – ou monarquias, como o Brasil e, por pouquíssimo tempo o México – da América Latina. Porém, esses empréstimos, aparentemente mais lucrativos, perdiam-se nos calotes dados por esses governos. Por menos rentabilidade que a ferrovia apresentasse, era um investimento absorvido pela própria Inglaterra.
Bom, de maneira geral, a Revolução Industrial foi processada mobilizando a transferência de recursos humanos – do campo para as cidades, da lavoura para a fábrica – para mão-de-obra, de capital (de proprietários de terras, marcadores, armadores, financistas, etc) para a indústria e de técnicas comerciais e financeiras aplicadas à industrialização (o que não era difícil, pois a política governamental inglesa já estava comprometida com os lucros e a supremacia dos negócios). E dessa forma empírica e acidental, como os ingleses gostam de se imaginar, podemos dizer que se deu um dos processos mais vibrantes desde a descida das árvores ou a descoberta da agricultura. Sendo a Revolução Industrial o motor econômico do século XIX, na semana seguinte analisaremos a parte política, que associadas configuram muitas das instituições que ainda hoje conhecemos: a Revolução Francesa.
Até lá, então. Abração e já sabem: dúvidas? Postem ai!

Correções do post anterior:

Galera, vez por outra passam alguns erros, seja de digitação, seja algum descuido. Onde se lia "A vida era eminentemente rural, com as poucas cidades sendo diretamente dependentes do campo.", leia-se A vida era eminentemente rural, com as poucas cidades, sendo diretamente dependentes do campo.

Onde diz-se que o iluminismo era a filosofia do século XIX, leia-se século XVIII. Embora ainda desenvolva-se no XIX, tem ênfase no XVIII, período no qual emergem as revoluções que tratamos.

Excusez-moi...


Thiago Mota.
[1] HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra. 2009. p.50.
[2] Ibid. p.74.

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